CULTURA | TEATRO
22 ago 2011 | Devidamente transposto para o ansiado castigo, o velho conceito judaico-cristão de pecado sempre produziu imagens dramáticas. Tudo leva a crer que quanto mais intenso o drama, maior a remissão. Corpos ensanguentados, por exemplo, fazem parte do imaginário religioso neste hemisfério do planeta há mais de dois mil anos. E agora foram parar ao palco na parábola “O cobrador de pecados”, produção original de Santo Amaro de Ipitanga com as tintas do moralismo pluri-confessional.
> © COPYRIGHT VILAS MAGAZINE | FOTO DE ROGÉRIO BORGES EM 20.08.2011 | ||
![]() | ||
> Patric Gouveia na pele do pecador-vítima: revelação de qualidade nas oficinas de teatro | ||
> © COPYRIGHT VILAS MAGAZINE | FOTO DE ROGÉRIO BORGES EM 20.08.2011 | ||
![]() | ||
> Roberto Sheyps [esq] e Patric Gouveia: violência psicológica e física em defesa da culpa | ||
> © COPYRIGHT VILAS MAGAZINE | FOTO DE ROGÉRIO BORGES EM 20.08.2011 | ||
![]() | ||
> Karina Leal Maia no papel da inocente pecadora: sem excessos num roteiro excessivo | ||
Para não deixar barato, o pecado em tela é o assassinato de uma criança de cinco anos em razão de ciúmes. A legitimação do conceito de culpa, ela mesma parte da violência encenada, já justificaria a recomendação da produção – que a própria deve garantir – para que adolescentes com menos de 14 anos guardem distância da platéia. Poderá parecer pouco.
Em cena, Sheyps personifica o anjo Rafael, um autêntico vilão perigosamente revestido de boas intenções: levar a salvação ao pecador, pela confissão e arrependimento. Francamente hostil, cínico, prepotente mesmo, Rafael tortura a criatura de Deus com a candura dos inquisidores medievais. O sangue cenográfico garante a mensagem nas cenas em que a violência física substitui a psicológica – entretanto bem mais intensa.
Paradoxalmente, a opção pelo radicalismo na interpretação do conceito de culpa e castigo oferece uma leitura oposta à pretendida. O doloroso processo de salvação – simbolizado pelo sinal da cruz aparentemente aplicado a ferro e fogo na testa dos incréus – equivale a uma lobotomia. Aos infiéis, a morte: física ou moral. Sob qualquer olhar crítico, o anjo estaria mais para mundano do que para divino. E a tal ponto que Rafael parece apenas receber o que merece quando acaba mutilado pelo pecador renitente.
Ensanguentado como os mártires do cristianismo, este torna-se vítima. Sugerindo mais empatia que outra coisa, transmite uma mensagem de sinal invertido. Na pele de vítima está Patric Gouveia, 16 anos, revelação de qualidade produzida pelas oficinas do Cine Teatro de Lauro de Freitas – uma delas conduzida pelo próprio Sheyps para adolescentes e de onde saiu quase todo o elenco.
O papel protagonista feminino foi entregue a Karina Leal Maia, 20 anos, não menos convincente nesta estréia. O martírio que lhe cabe como inocente pecadora aparece na medida certa, sem a carolice que espreita o roteiro do começo ao fim. Dona de voz treinada, Karina oferece à platéia um Ave Maria qualificado.
Os anjos assistentes, essenciais à cenografia de poucos recursos embora bem conduzida, são Sara Menezes, 15 anos e Jéssica Cordeiro, 16. No papel de Maria, que a tudo preside em cena, como que autorizando a parábola, está Eliz Moreno, 27. O personagem de Marcos Santana, 25, contribui com uma referência complicada: o candomblé cristianizado pela via daquela mesma salvação.
A produção é de Fábio Adorno, [editado] que já fez vários espetáculos desde os 14 anos de idade. A bordo do novíssimo Grupo de Artes Cênicas, a trupe volta a apresentar este seu recado missionário no Cine Teatro de Lauro de Freitas nos dias 14, 17 e 21 de setembro, seguindo depois para outros espaços da secretaria estadual de Cultura, em Salvador.
> © COPYRIGHT VILAS MAGAZINE | FOTO DE ROGÉRIO BORGES EM 20.08.2011 | ||
![]() | ||
> Karina canta a Ave Maria ao lado de Sara Menezes, Marcos Santana e Jéssica Cordeiro | ||
> © COPYRIGHT VILAS MAGAZINE | FOTO DE ROGÉRIO BORGES EM 20.08.2011 | ||
![]() | ||
> Patric Gouveia, Eliz Moreno, Sheyps, Karina Maia, Sara, Marcos e Jéssica: estréia |
Postado por Rogério Borges
VISITEM O LINK ORIGINAL NO VILAS MAGAZINE ON-LINE:
http://www.vilasmagazine.com.br/2011/08/producao-local-busca-legitimar-conceito.html#ancora